sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Decifra-me




Eu mesmo já fui muitos em um só. Num único dia, cada pedaço meu, um mundo diferente. Tomei sol e chuva, inflei no vento; comi e bebi quanto pude; cada passo à seu tempo. Um mundo diferente a cada instante, não só em mim, mas em todos. Quantos perambulam por aí e não sabem disso? Uma humanidade inteira e tantos mundos diferentes, basta olhar! Cada qual tem seus próprios pensamentos, e um pensamento é um mundo particular, não há como lhe pedir as chaves, tão pouco arrombar as portas para espiar o que vive lá dentro. Eu mesmo sou tão pequeno e tenho tantas histórias, mas diante desse esquecimento caprichoso, de pessoas e fatos, me sinto como uma partícula de meus infinitos mundos, a cada vez que abro meus olhos. E dentro de minha cabeça vivem tantos seres imaginários, que ainda que eu tivesse muito tempo, não os descreveria com a exatidão que merecem. Eu, que já fui tantos, e de tantos outros, hoje só quero ficar no escuro, e aquecer meus pés, pois já não me apetece mais nada. Sempre fui das sombras, agora sei, que fui um ser obscuro e de múltiplas faces. Só quero me aproximar do fundo do escuro, do fim da noite agourenta, e criar mais mundos diferentes em meus sonhos. Eu que sempre mantive os olhos fechados e ainda assim via tantas coisas, não me considero mais um nesse mundo de todos, deve haver algum sentido em tantos sinais, em tanta gente que anda ao meu lado e também leva dentro da cabeça seus mundos ordinários. Eu mesmo nunca dei importância para as criações alheias, como queria que me acendessem holofotes e me estendessem tapetes vermelhos ao passar? Meu caminho é de torturas e carrego comigo meus personagens, a fim de dar-lhes vida quando menos esperarem, e quando eu mais precisar fugir e me esconder de mim mesmo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Boa noite, boa sorte

Ao fechar a porta ouvi uma voz me dizer: “-Boa sorte!”. Era algo realmente interessante para se desejar à alguém, mas recusei. Essa noite não precisaria de sorte para fazer o que iria fazer, mas sim de muita coragem. E eu a encontrei no fundo de infinitas doses de Absinto... quanto mais líquido percorrendo meu sangue, mais coragem. Agora eu era um homem destemido. Peguei minha mochila, já preparada com tudo o que eu ia precisar e caí na noite fria – porque sempre tem que fazer tanto frio nessas noites? Olhei para o relógio, não poderia mais esperar. Sorrateiro, procurava andar nas sombras da lua, já era alta madrugada e estava muito escuro. Nem mesmo a lua queria me acompanhar dessa vez. Voltei a pensar na sorte, tentando descobrir para que a sorte servia. Acabei pensando em mil coisas sem importância nenhuma, então pela segunda vez nessa noite, deixei a sorte de lado. Apenas os morcegos, os verdadeiros donos da noite, me faziam companhia. Pensei naqueles que estavam dormindo em suas camas quentes, sem saber quem passava em frente às suas casas durante a madrugada. Para aliviar minha ansiedade, coloquei meus fones de ouvido e liguei Even Flow, do Pearl Jam. Deu certo, a guitarra me relaxou, e a voz de Eddie me fez esquecer aquilo que estava por fazer. Fui aos poucos me acostumando com a idéia daquele destino insólito que estava reservado para mim, e achei que a melhor solução era cumprir logo a minha missão, sem pensar em quem poderia ser prejudicado com ela. Já estava perto do lugar onde tudo aconteceria, tinha que ser rápido e sair sem olhar para trás, ou não conseguira dormir mais uma vez pensando se aquilo realmente era certo. Com certeza eu me sentiria mal mais uma vez com aquilo, mas não podia desistir agora. Ao chegar perto do prédio, meus olhos arderam com a claridade das luzes que vinham de lá, e senti um calafrio percorrer minha espinha com o ar gélido que saía do saguão de entrada - era ainda mais frio que o ar da noite. Sorrateiramente percorri os corredores vazios e sem emoção, com suas paredes brancas e impessoais, ouvindo meus passos ecoando solitários e cada vez mais próximos de seu destino. Enfim encontrei o quarto 77, e dentro dele estava minha última missão, meu último martírio nessa vida. Abri a porta sem tomar o menor cuidado em não fazer barulho, já que a pessoa que estava lá dentro não iria se incomodar com a minha presença. E agora, deveria contar com a sorte? Ou seria a hora certa de mostrar a minha coragem? Tanto faz, pensei, o importante é terminar com isso logo e sair daqui, para a consciência não me maltratar mais uma vez. No começo eu não gostava, mas depois de tanto repetir o mesmo ritual incansavelmente, acabei me acostumando, e até criei um método para que tudo fosse rápido e sem erros. Abri a mochila, calcei as luvas, abri o meu livro de Salmos, na mesma página de sempre, e sem pensar em nada comecei a ler o Salmo 92, mecanicamente e sem sentimento algum nas palavras que saíam de minha boca. Certamente a família ainda me agradeceria por terminar com aquele desconforto. Fiz o sinal da cruz, em mim e naquele desconhecido que estava ali, estendido em minha frente sem demonstrar nenhum sinal de que ainda vivia. Arrumei seus cabelos, segurei sua mão e o abençoei para que o seu deus o acompanhasse na passagem. Peguei minha garrafa de Absinto, dei um longo gole para aquecer o sangue e a alma já tão cansada de tanta maldade travestida de justiça e lentamente apertei o botão. Engraçado como a vida depende de tão pouco, nesses casos, apenas de um botão que comando uma máquina. Instantaneamente, uma após a outra, as luzes foram se apagando, o ruído foi diminuindo e eu sabia que a máquina estava desligada, e que amanhã estaria dando uma falsa vida a outro vegetal qualquer, apenas para satisfazer os caprichos de seus familiares, que certamente nunca lhe deram o devido valor. Aquela vida acabou, e mais uma parte da minha também, que não tinha valor algum. Então a realidade me cortou como um punhal afiado; eu também não era nada, sem sorte e sem valor. De que me valia empurrar essas almas para o além, enquanto eu mesmo me sentia num limbo? Foi como acordar de um sonho. Larguei a mochila, larguei a garrafa, tirei as luvas e corri. Corri como se fosse buscar minha vida em algum lugar longe dali. Senti os primeiros raios de sol lamberem minha pele, meus olhos lacrimejavam e eu não sabia por que. Corri ainda mais e como um bêbado inútil não sabia para onde ir, até que encontrei o lugar perfeito. Eu sempre soube que aquele viaduto teria alguma importância em minha vida inútil. Parei violentamente ao chegar ao muro de proteção, bati a cabeça, dei socos e pontapés naquela parede ridícula que tentava me conter agora, e ri, gargalhei como há tempos não fazia, olhei para o céu e agradeci por tudo aquilo que me fez viver até ali. Sem ter mais o que fazer, saltei sobre o muro e caí,do outro lado, onde não havia nada que pudesse me conter. Ninguém para segurar minha mão, ninguém para me desejar sorte. Esse era o fim para a minha justiça insana e anônima. Esse era o fim de minha pequenez e de meu egoísmo sem limites. O limite agora estava entre o céu e o chão. O limite para a sorte era a razão, foi meu último pensamento.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Observando Luísa - Parte 5




Após um janeiro chuvoso e lento, em que Luísa tirou férias e passou praticamente todos os dias em casa com a amiga que se demorava mais do que eu havia imaginado, o mês de fevereiro veio com um calor infernal, que me torturava dentro de meu carro quente e desconfortável. Assim que minha adorada voltou ao trabalho, senti que minha rotina de observação também voltaria. Eu não precisaria mais ficar imaginando o que as duas estavam fazendo dentro de casa, com janelas e portas fechadas o tempo todo, nem me esgueirar pelo quintal tentando ouvir alguma coisa, algum ruído que identificasse qual seria o passatempo delas. Algumas vezes consegui ouvir Luísa cantando baixinho: “...você é algo assim, é tudo pra mim, é mais que eu sonhava, baby...”, outras vezes só um silêncio sepulcral vinha da casa, eu pensava que elas estariam dormindo, já que a chuva não dava trégua. Aproveitei que Luísa passou no supermercado à caminho de casa para comprar garrafas d’água para tentar amenizar o calor que eu sentia naquele fim de tarde. Foi um mal negócio, já que encontrei por lá uma vizinha que adorava cuidar da minha vida, e quando me viu, de longe já veio gritando: “- nossa, quanto tempo! Você viajou? Porque a porta da sua casa está cheia de jornal e de correspondência que o carteiro deixa todos os dias... Eu estava preocupada com você... Por onde anda?”. Nem tive tempo de pensar no que responder, pois Luísa saiu de trás de uma das gôndolas do supermercado e parou na minha frente, me encarou, como se esperasse também por minha resposta. Fiquei sem fala, gaguejei, mas consegui dizer que estava fazendo uma pesquisa e por isso estava ficando muito pouco em casa. A vizinha tentou continuar o assunto, mas eu disfarcei e disse que precisava ir embora. Luísa voltou a me ignorar totalmente e voltou pra casa com suas compras. Eu continuei em frente à sua casa naquela noite quente, desejando muito estar em seus braços, ficar com ela para um banho gelado enquanto explorava seu corpo maravilhoso. Percebi que estava devaneando outra vez, e que aquilo estava se tornando muito freqüente. O que eu deveria fazer? Não conseguia imaginar levar um fora da Luísa, e achava que era melhor rastejar atrás dela como um verme do que ser obrigado a parar de vê-la todos os dias. Aproveitei a madrugada tranqüila na casa de minha amada para ouvir alguns Cd’s antigos que estavam no carro, e acabei viajando com a poesia de Cazuza: “o seu amor é uma mentira, que a minha vaidade quer...” Passei a noite acordado sonhando com ela. Mas na manhã seguinte, quem apareceu na porta não foi Luísa, e sim a amiga, e eu pude reparar que ela também era muito bonita e tinha um andar elegante. Ela veio em minha direção, mas eu não me preocupei, eu realmente queria falar com ela e dizer que ela estava abusando da hospitalidade de minha querida Luísa e deveria partir. Quando ela parou ao lado do carro, notei que ela usava um babydoll preto de rendas transparentes que valorizava muito sua cintura e seus seios. Senti-me pouco à vontade com tamanha beleza tão perto de mim, mas ainda assim não podia esquecer Luísa. Então ela disse: “- Você é realmente muito insistente. Achei que você fosse desistir por causa das chuvas, mas você continua aqui. O que você quer? Eu vou chamar a polícia....” Calma, não precisa. Eu não quero fazer mal nenhum a ninguém. Só estou tentando encontrar um jeito de falar para Luísa que eu a amo e não posso mais viver sem ela, mas tenho tanto medo de perdê-la que fico aqui juntando as migalhas que ela joga para mim... Por favor, diga a ela que eu sou apenas um homem apaixonado e que estou largando tudo para ficar ao lado dela. A moça me lançou um olhar desprezível e disse simplesmente: “- Esqueça, ela não tem intenção de mudar a vida dela. Vá embora.” Virou as costas e entrou na casa. O que era aquilo? Teria sido Luísa que mandara a amiga me dispensar? Não pode ser, ela não era assim, eu sabia. Tudo o que eu pensava era que precisava falar com Luísa e expressar meus sentimentos, para acabar com aquilo. E ouvia ecoar na minha cabeça: “Você precisa saber da piscina, da margarina, da Carolina, da gasolina. Você precisa saber de mim...”. Era isso mesmo, Luísa precisava saber de mim, de meus sentimentos, mas teria que ser por mim, e não por recadinhos. Estava decidido, no final de semana eu falaria com ela e resolveria essa tormenta.


 


(continua...)


foto: http://suicide-bee.deviantart.com/gallery/#/d1yhmg1

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Observando Luísa - Parte 4



“...I know I don’t know you, but I want you so bad, everyone has a secret locked, but can they keep it, oh no they can’t...” Foi ouvindo “Secret” tocando ao longe que eu despertei naquela manhã. Sem saber onde eu estava ou que dia era, fui abrindo os olhos aos poucos e tomando consciência de que eu ainda estava dentro do carro; lembrei-me que fiquei esperando a amiga de Luísa ir embora na noite passada, mas ela demorou muito e eu acabei pegando no sono ali mesmo. Estava muito curioso para saber quem era aquela garota que fazia companhia à minha Luísa naquelas últimas noites... será que era uma irmã, parente distante de visita, amiga que veio de longe? A verdade é que ela já estava lá há alguns dias e eu ficava cada vez com mais medo de ser descoberto. Não entendi porque naquela manhã minha amada estava ouvindo Maroon 5, ela costumava ouvir música nacional enquanto se arrumava para o trabalho. Á essa altura eu já sabia todos os hábitos de Luísa, cada coisa mínima que ela fazia a cada minuto do seu dia, por exemplo, nas últimas semanas ela vinha ouvindo muita Ana Carolina e muita Zélia Duncan, e quando a sua hóspede chegava elas ouviam U2 juntas bebendo Tequila, e iam dormir muito tarde. Ah! Como queria ser corajoso o bastante para bater em sua porta numa dessas noites e ficar rindo com elas até a madrugada... Para diminuir um pouco a minha vontade de estar com ela, decidi me aproximar da casa e olhar pela janela. Quando saí do carro, qual não foi a minha surpresa ao perceber que havia um prato com um pedaço de bolo e um copo de leite sobre uma pequena mureta próxima ao portão da casa dela. Só podia ser coisa de Luísa... mas como, e com que intenção ela deixaria aquilo ali, pra mim? Depois que ela deixou o cobertor, tudo começou a ficar estranho; ela abria bem as janelas e ficava olhando pra fora, na minha direção, sempre com uma música tocando alto, e cada uma das músicas que ela ouvia parecia sempre ser um recado pra mim. Acho que era minha consciência me alertando de que aquilo era muito errado, ninguém pode ficar cuidando da vida de outra pessoa dessa maneira que eu estava fazendo. Eu sabia que não estava certo, eu sabia que precisava ir embora e esquecer Luísa, esquecer aquela única tarde em que conversamos, esquecer de tudo, e no entanto, a única coisa que eu conseguia esquecer era de viver a minha própria vida. Aquilo não estava me fazendo bem. Eu já não cuidava de meus negócios há semanas, deixando tudo nas mãos de meu sócio, e ultimamente nem atendia ao celular para não ter que falar de outro assunto que não fosse Luísa. Tomei o leite e comi o bolo enfim, agradecendo mentalmente a ela que por menor que fosse já tinha uma preocupação com o meu bem-estar, e fui até a janela. Ela estava na sala, retirando copos e uma garrafa da mesa de centro, com certeza, resquícios da noite anterior. Mais alguns minutos se passaram e eu a ouvi dizendo a amiga que estava indo para o trabalho, saí correndo e voltei para meu posto de observação para que ela não me visse ali. Ela saiu, maravilhosa, com um vestido creme colado no corpo, sandálias de salto alto no mesmo tom da roupa e aquele perfume que eu tanto gostava e seria capaz de reconhecer em qualquer lugar. Só pude ver o reflexo de seus cabelos ao sol quando ela entrou no carro e ligou o rádio. A música só podia ser para me provocar... ou seria apenas imaginação? “... eu devia te deixar, mas vou continuar, pra castigar meu pobre coração...”. Para não perder o hábito, eu a segui. Ela trabalhou normalmente, e no final da tarde passou numa pizzaria antes de ir pra casa. Pensei que ela se encontraria com alguém, mas não, ela pediu a pizza para viagem e foi comer em casa com a amiga. Seria mais uma longa noite pra mim e eu não sabia mais até quando agüentaria essa situação que eu mesmo criara. E no meu CD-player tocava Cássia Eller: “...dona dos meus olhos é você, avião no ar, dia pra esses olhos sem te ver, é como o chão do mar...”



PS: continua...


foto: http://muszka.deviantart.com/gallery/#/d2b8w7d

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Observando Luísa - Parte 3




Deveria eu me declarar à Luísa? Era só isso que me atormentava naquele dia. Estava chovendo muito, o que tornava um tanto desconfortável ficar à sua porta. E o dia dela também estava monótono, ela simplesmente não saiu de casa nem um minuto, e as portas e janelas permaneceram fechadas o tempo todo. Eu imaginei que ela estava aproveitando o dia chuvoso para dormir e descansar da noite agitada que teve. Ela saíra com uma amiga e ficara até quase amanhecer numa balada. Eu a segui até a entrada da boate, mas preferi não entrar, para não ver o que ela faria lá dentro, porque sei que se eu a visse com alguém, não agüentaria segurar o ciúme e acabaria fazendo alguma besteira. Melhor esperar do lado de fora, é menos arriscado. Ela deve ter se divertido muito, mas prefiro não tentar imaginar o que ela fez. Preciso manter minha sanidade, foi o que concluí. E durante esse longo dia ela não apareceu... eu fiquei lá, esperando, e nada. A amiga que a acompanhou na balada também dormia, tinha ficado na casa dela quando chegaram, talvez por que estivesse muito bêbada para dirigir até sua casa. Achei um bonito gesto de amizade Luísa ter pensado nisso, ela estava preocupada com a segurança da amiga. Sem nada para fazer e devo admitir um pouco entediado por ficar ali sozinho, liguei o rádio do carro e sintonizei uma estação que estava tocando Chico Buarque, e era uma das minhas favoritas: “quero pesar feito cruz nas tuas costas, que te retalha em postas, mas no fundo gostas, quando a noite vem.” Parecia não haver música mais propícia para aquele momento; não estaria essa minha vigília se tornando uma cruz em minha vida? O que eu esperava como resultado disso? Luísa também se apaixonaria? Foi com esse pensamento que acabei pegando no sono e sonhando com Luísa, é claro. No sonho ela vinha até onde eu estava e dizia que sabia de tudo, que já tinha percebido a minha presença diária ali em frente à sua casa e que não estava brava, mas sim, se sentia lisonjeada por uma pessoa lhe dedicar tanto tempo e tanta atenção. Disse ainda que aquilo nunca tinha acontecido com ela antes, e que ela não sabia como agir, mas mesmo assim iria respeitar a minha vontade se eu ainda quisesse segui-la. Acordei assustado, ainda sonhando e sua voz ecoando real em minha cabeça. E quando dei por mim, eu estava coberto com uma manta, que antes não estava ali. Teria sido real? Teria sido ela, a minha Deusa quem veio me cobrir? Só poderia ter sido ela, tão boa e tão carinhosa, mas como? Ela realmente já sabia da minha presença?A chuva tinha diminuído e da casa de Luísa vinha uma melodia conhecida, tocando baixinho: “quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem, quando a noite vem...”


PS: ... continua ...


foto: http://m0thyyku.deviantart.com/gallery/#/d2qpv9u

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Observando Luísa - Parte 2





Não podia ficar mais um minuto sem contemplar aqueles olhos. Era loucura, eu sabia, mas era mais forte que qualquer outro pensamento que eu já tivera. Segui Luísa até sua casa. Fiquei olhando como ela descia do carro, como procurava as chaves da casa na bolsa grande e desorganizada. Podia até mesmo ver a gotinha de suor que nascia em sua testa. Luísa me dominava, e eu não podia lutar contra isso. Só o que eu queria era ficar ali, parado observando cada movimento, cada passo de Luísa. A princípio pensei em bater na porta de sua casa e me declarar, mas e se ela me recusasse? E se ela me proíbisse de vê-la novamente? Não, isso não era possível. Era melhor ficar olhando de longe, mas sempre, do que falar com ela e correr e risco de nunca mais ver seus olhos negros. “Eu não sei parar de te olhar... não sei parar de te olhar, não vou parar de te olhar, eu não me canso de olhar... não vou parar de te olhar...” E para a cada inspiração de Luísa uma batida de meu coração. Dormi quando ela dormiu, ali mesmo, em frente a sua casa, e quando dei por mim já amanhecia, e me perguntei o que eu ainda fazia ali, na rua, admirando uma mulher que mal sabia de minha existência. Era triste pensar em minha vida sem ela, ainda agora, que tão pouco tempo se passara desde que nos falamos, e eu já estava tão envolvido... Ela estava saindo e eu a segui. Eu sabia que precisava ir para casa, tomar um banho, me alimentar, descansar... mas como me desligar dessa dependência? Descobri que ela trabalhava numa livraria no centro da cidade. Ela estava bonita, de jeans e uma blusa vermelha que realçava seus olhos de breu. Passei boa parte da manhã a observar seus movimentos no trabalho, mas acabei cedendo à fome e fui comer alguma coisa. Quase no fim do dia, retornei a meu posto em frente a sua casa, agora com meus binóculos para ajudar na observação de minha deusa. Ela chegou, parecia exausta, foi direto para o banheiro e eu passei a imaginá-la no banho, cada curva de seu corpo perfeito envolvida pelo vapor quente da água e seus músculos relaxando. Novamente tive impulsos de bater à sua porta, mas me controlei. Não queria que ela soubesse que eu estava ali, não queria quebrar a magia da sua existência. Como que lendo meus pensamentos, ela entreabriu a cortina e olhou em minha direção. Teria me visto? Teria percebido minha presença? E se tivesse, o que faria? Fechou. Minutos se passaram e ela não apareceu. Acho que era minha imaginação, minha mente já tão cansada de esperar por ela querendo que ela tivesse me visto. Luísa foi se deitar cedo aquela noite, apagou as luzes, ligou o Cd player, e eu ouvi: “... é tanta graça lá fora, passa o tempo sem você... mas pode sim ser sim amado e tudo acontecer... quero dançar com você”.


PS: continua ...