sexta-feira, 11 de junho de 2010

Observando Luísa - Parte 4



“...I know I don’t know you, but I want you so bad, everyone has a secret locked, but can they keep it, oh no they can’t...” Foi ouvindo “Secret” tocando ao longe que eu despertei naquela manhã. Sem saber onde eu estava ou que dia era, fui abrindo os olhos aos poucos e tomando consciência de que eu ainda estava dentro do carro; lembrei-me que fiquei esperando a amiga de Luísa ir embora na noite passada, mas ela demorou muito e eu acabei pegando no sono ali mesmo. Estava muito curioso para saber quem era aquela garota que fazia companhia à minha Luísa naquelas últimas noites... será que era uma irmã, parente distante de visita, amiga que veio de longe? A verdade é que ela já estava lá há alguns dias e eu ficava cada vez com mais medo de ser descoberto. Não entendi porque naquela manhã minha amada estava ouvindo Maroon 5, ela costumava ouvir música nacional enquanto se arrumava para o trabalho. Á essa altura eu já sabia todos os hábitos de Luísa, cada coisa mínima que ela fazia a cada minuto do seu dia, por exemplo, nas últimas semanas ela vinha ouvindo muita Ana Carolina e muita Zélia Duncan, e quando a sua hóspede chegava elas ouviam U2 juntas bebendo Tequila, e iam dormir muito tarde. Ah! Como queria ser corajoso o bastante para bater em sua porta numa dessas noites e ficar rindo com elas até a madrugada... Para diminuir um pouco a minha vontade de estar com ela, decidi me aproximar da casa e olhar pela janela. Quando saí do carro, qual não foi a minha surpresa ao perceber que havia um prato com um pedaço de bolo e um copo de leite sobre uma pequena mureta próxima ao portão da casa dela. Só podia ser coisa de Luísa... mas como, e com que intenção ela deixaria aquilo ali, pra mim? Depois que ela deixou o cobertor, tudo começou a ficar estranho; ela abria bem as janelas e ficava olhando pra fora, na minha direção, sempre com uma música tocando alto, e cada uma das músicas que ela ouvia parecia sempre ser um recado pra mim. Acho que era minha consciência me alertando de que aquilo era muito errado, ninguém pode ficar cuidando da vida de outra pessoa dessa maneira que eu estava fazendo. Eu sabia que não estava certo, eu sabia que precisava ir embora e esquecer Luísa, esquecer aquela única tarde em que conversamos, esquecer de tudo, e no entanto, a única coisa que eu conseguia esquecer era de viver a minha própria vida. Aquilo não estava me fazendo bem. Eu já não cuidava de meus negócios há semanas, deixando tudo nas mãos de meu sócio, e ultimamente nem atendia ao celular para não ter que falar de outro assunto que não fosse Luísa. Tomei o leite e comi o bolo enfim, agradecendo mentalmente a ela que por menor que fosse já tinha uma preocupação com o meu bem-estar, e fui até a janela. Ela estava na sala, retirando copos e uma garrafa da mesa de centro, com certeza, resquícios da noite anterior. Mais alguns minutos se passaram e eu a ouvi dizendo a amiga que estava indo para o trabalho, saí correndo e voltei para meu posto de observação para que ela não me visse ali. Ela saiu, maravilhosa, com um vestido creme colado no corpo, sandálias de salto alto no mesmo tom da roupa e aquele perfume que eu tanto gostava e seria capaz de reconhecer em qualquer lugar. Só pude ver o reflexo de seus cabelos ao sol quando ela entrou no carro e ligou o rádio. A música só podia ser para me provocar... ou seria apenas imaginação? “... eu devia te deixar, mas vou continuar, pra castigar meu pobre coração...”. Para não perder o hábito, eu a segui. Ela trabalhou normalmente, e no final da tarde passou numa pizzaria antes de ir pra casa. Pensei que ela se encontraria com alguém, mas não, ela pediu a pizza para viagem e foi comer em casa com a amiga. Seria mais uma longa noite pra mim e eu não sabia mais até quando agüentaria essa situação que eu mesmo criara. E no meu CD-player tocava Cássia Eller: “...dona dos meus olhos é você, avião no ar, dia pra esses olhos sem te ver, é como o chão do mar...”



PS: continua...


foto: http://muszka.deviantart.com/gallery/#/d2b8w7d

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Observando Luísa - Parte 3




Deveria eu me declarar à Luísa? Era só isso que me atormentava naquele dia. Estava chovendo muito, o que tornava um tanto desconfortável ficar à sua porta. E o dia dela também estava monótono, ela simplesmente não saiu de casa nem um minuto, e as portas e janelas permaneceram fechadas o tempo todo. Eu imaginei que ela estava aproveitando o dia chuvoso para dormir e descansar da noite agitada que teve. Ela saíra com uma amiga e ficara até quase amanhecer numa balada. Eu a segui até a entrada da boate, mas preferi não entrar, para não ver o que ela faria lá dentro, porque sei que se eu a visse com alguém, não agüentaria segurar o ciúme e acabaria fazendo alguma besteira. Melhor esperar do lado de fora, é menos arriscado. Ela deve ter se divertido muito, mas prefiro não tentar imaginar o que ela fez. Preciso manter minha sanidade, foi o que concluí. E durante esse longo dia ela não apareceu... eu fiquei lá, esperando, e nada. A amiga que a acompanhou na balada também dormia, tinha ficado na casa dela quando chegaram, talvez por que estivesse muito bêbada para dirigir até sua casa. Achei um bonito gesto de amizade Luísa ter pensado nisso, ela estava preocupada com a segurança da amiga. Sem nada para fazer e devo admitir um pouco entediado por ficar ali sozinho, liguei o rádio do carro e sintonizei uma estação que estava tocando Chico Buarque, e era uma das minhas favoritas: “quero pesar feito cruz nas tuas costas, que te retalha em postas, mas no fundo gostas, quando a noite vem.” Parecia não haver música mais propícia para aquele momento; não estaria essa minha vigília se tornando uma cruz em minha vida? O que eu esperava como resultado disso? Luísa também se apaixonaria? Foi com esse pensamento que acabei pegando no sono e sonhando com Luísa, é claro. No sonho ela vinha até onde eu estava e dizia que sabia de tudo, que já tinha percebido a minha presença diária ali em frente à sua casa e que não estava brava, mas sim, se sentia lisonjeada por uma pessoa lhe dedicar tanto tempo e tanta atenção. Disse ainda que aquilo nunca tinha acontecido com ela antes, e que ela não sabia como agir, mas mesmo assim iria respeitar a minha vontade se eu ainda quisesse segui-la. Acordei assustado, ainda sonhando e sua voz ecoando real em minha cabeça. E quando dei por mim, eu estava coberto com uma manta, que antes não estava ali. Teria sido real? Teria sido ela, a minha Deusa quem veio me cobrir? Só poderia ter sido ela, tão boa e tão carinhosa, mas como? Ela realmente já sabia da minha presença?A chuva tinha diminuído e da casa de Luísa vinha uma melodia conhecida, tocando baixinho: “quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem, quando a noite vem...”


PS: ... continua ...


foto: http://m0thyyku.deviantart.com/gallery/#/d2qpv9u